terça-feira, 14 de fevereiro de 2012

MÁXIMAS DO ESTADO PARA AS MONARQUIAS

As monarquias conservam-se igualmente pelos meios contrários às causas da sua ruína. Quanto menos coisas houver submetidas à autoridade absoluta dos reis (que são portanto menos imperiosos, mais iguais aos seus súbditos e menos odiosos), mais duradoura será a sua autoridade.

O recurso ao rigor

As tiranias conservam-se de duas maneiras opostas: com o rigor mas também com a moderação.
No método do rigor abaixam-se as personagens mais eminentes e semeia-se a discórdia entre os amigos; empobrecem-se os cidadãos, a fim de que não possam formar guarda armada e que, absorvidos pelos trabalhos de que têm necessidade para viver, não tenham tempo para conspirar e aumenta-se o peso dos impostos. Recorre-se à guerra, a fim de que os súbditos fiquem ocupados e dependentes de um general e usam-se recursos da democracia extrema. No fim, podemos reduzir estas tácticas a três meios: conservar os súbditos no mais completo aviltamento, criar-lhes desconfiança de uns em relação aos outros e não lhes deixar nenhum poder.

Uso da moderação

No método da moderação o objectivo é, essencialmente, salvar as aparências. Assim, evitam-se despesas que ferem o povo, que se abstém de fazer liberalidades; prestam-se contas do recebimento e do emprego dos impostos e aparenta-se não aumentar os impostos. O tirano escolhe tornar-se acessível aos seus súbditos e mostra um ar de gravidade com a sua boa educação; o país é embelezado a fim de se mostrar o belo da região. As pessoas bem e talentosas são honradas e o tirano abstém-se de qualquer injúria, que pode ter duas espécies: ferir quem quer que seja e desonrar a juventude.

DAS LEIS OU PRÁTICAS SALUTARES ÀS REPÚBLICAS

É próprio de um legislador e de qualquer pessoa que soube traçar o plano de um governo não somente realizá-lo, mas também conseguir a permanência da sua obra.

O respeito das leis e da honestidade

Num Estado bem ordenado nada se faz contra as leis e os costumes e tem-se atenção aos abusos; esta atenção deve incidir com não maior vigilância sobre as armadilhas que se armam ao povo que é ludibriado pelos ricos em cinco ocorrências: exercícios, assembleias, magistraturas, julgamentos e armamento. As formas de ludibriar o povo nestas ocorrências é bastante subtil: nas Assembleias dá-se permissão para toda a gente a elas assistir mas castigo contra os ricos se não assistirem; desta forma o povo deixa-se levar pelo ócio e torna-se faltoso, enquanto os ricos mais não estão que a tomar as decisões por eles ao serem obrigados. Nas Magistraturas os que têm rendimentos são proibidos de as recusar, mas os pobres podem fazê-lo; de novo o povo ocioso deixa-se levar pelo aparente conforto e cede os seus poderes aos ricos obrigados. Nos Julgamentos há castigo contra os ricos que se recusem a ser juízes e impunidade para os pobres; a consequência é a mesma. Nas Armas há uma legislação igual sobre elas e os exercícios, sendo que os pobres têm permissão para não possuírem armas mas os ricos são castigados se não as tiverem. Finalmente nos Exercícios não há nenhum castigo contra os pobres que não participam e castigo para os ricos se faltam a eles.
Pelo contrário, nas democracias, os legisladores usam também subtilezas contrárias pois a eles interessa que o poder esteja no povo: propõem um salário aos pobres que assistem às assembleias ou que exercem o cargo de juízes para incentivar o povo a tomar esses postos e não dão castigos aos ricos que disso se abstiverem, sendo estes nesta situação facilmente seduzidos pelo ócio.
Todos estes expedientes são funestos nas repúblicas.

Outras práticas benéficas

Existem aristocracias e oligarquias que se sustentam menos pelo valor da sua Constituição que pela conduta moderada daqueles que a governam.
A igualdade que os homens popularmente afectam perante a multidão não é somente justa no Estado democrático, é-o em toda a parte, entre semelhantes. Os iguais formam um povo entre si.
As boas instituições conservam-se pelo afastamento do que as pode corromper e pela suposição de um perigo próximo. O temor obriga a ter em maior atenção a segurança do Estado. É preciso também providenciar através de leis ou velar para que não apareçam animosidades e sedições entre os grandes.
Os homens, contudo, corrompem-se facilmente pela prosperidade, porque nem todos são capazes de a suportar; assim, é regra geral que em qualquer governo não se deve exaltar demasiado quem quer que seja nem distribuir nenhuma honra excessiva e que não convém dar ocasião através das leis a que alguém adquira demasiado poder, crédito ou fortuna. Assim, é uma necessidade estabelecer um magistrado para observar todo o género de vida que iria contra a forma e o espírito do governo.
Em toda a política não existe máxima mais importante do que providenciar para que as magistraturas não sejam lucrativas. A pessoa vulgar fica menos irritada em se ver excluída do governo do que em ver os magistrados viverem à custa do tesouro público.
Esta gratuidade é a única maneira de aliar a democracia à aristocracia. Dá aos nobres e às pessoas vulgares o que desejam. Admite, sem qualquer distinção, toda a gente no governo e só dá as magistraturas aos nobres.
Nas democracias é preciso distinguir os ricos e não submeter nem as suas posses nem os seus réditos a nova partilha, como se faz secretamente nalgumas repúblicas.
Nas oligarquias é preciso ter um grande cuidado com os indigentes e distribuir-lhes empregos lucrativos.
É bem, quer na democracia quer na oligarquia, que aqueles que menos participam no governo, como sucede com os ricos na democracia e com os pobres na oligarquia, sejam, em todas as outras coisas, tratados igualmente, a não ser que se trate da suprema autoridade que deve ser reservada àqueles que a forma de governo indicar.

O desinteresse

Os que levam a peito a salvação do Estado, em lugar de se apoderarem, em proveito do povo, dos bens dos condenados, devem consagrá-los à religião. O povo mostrará menos pressa em condenar, uma vez que não tira qualquer proveito da sentença. Os legisladores devem também tornar muito raras as acusações públicas, estabelecendo penas graves contra aqueles que agem levianamente.
É preciso inspirar a toda a gente afecto pelo governo e evitar que os grandes sejam considerados como inimigos. Nas últimas espécies de democracia o povo é numeroso e quase não é possível a toda essa gente assistir às assembleias sem retribuição; isto leva a um empobrecimento do Estado e consequente aumento dos impostos, subvertendo a democracia... e quando o Estado tem finanças reduzidas, não se devem convocar assembleias nacionais senão muito raramente.
Um homem verdadeiramente popular deve providenciar para que o povo não seja demasiado pobre, pois a miséria é a fonte de todos os males na democracia.
É preciso encontrar uma maneira de toda a gente desfrutar dum nível de vida aceitável. Os ricos deverão contribuir para as despesas das assembleias necessárias, em vez de se dedicarem a gostos frívolos e puramente faustosos, pois tal só mostra um grande senso e alma nobre.

A virtude e a educação

Os chefes de governo precisam de ter três qualidades necessárias: dedicação à Constituição actual do Estado, meios habilidade adquirida no desempenho e exercício das funções governamentais e virtude e justiça de acordo com o regime; aliás, não sendo o direito o mesmo em todas as Constituições, também a justiça deve ser necessariamente diferente. Surgem dificuldades quando todas estas qualidades não se encontram na mesma pessoa. Assim, há que ter em conta os fins para que se destina cada cargo e atribuí-los às pessoas que correspondam às capacidades necessárias.
Entende-se por interesse público tudo o que é regulado pelas leis para a conservação do Estado. O seu ponto essencial é fazer de maneira a que a parte satisfeita do Estado presente seja mais poderosa do que a que não está contente. Os meios para o conseguir, contudo, podem ser populares (corrompendo as democracias) ou oligárquicos (corrompendo as oligarquias), tanto que toma-se muitas vezes como virtude o que é excessivo.
A oligarquia e a democracia podem subsistir ainda que afastando-se do seu desígnio e da sua perfeição. Mas se se dá demasiada extensão ao seu princípio, começará por se tornar o pior governo. Cometem-se grandes faltas tanto num como noutro regime. Nas democracias é um erro dos demagogos tornar a multidão senhora das leis. Nas oligarquias, os oligarcas cometem o mesmo erro tomando muito a peito o interesse dos ricos.
O mais importante meio de conservação dos Estados é harmonizar a educação dos cidadãos com a Constituição. Se se trata de uma Constituição popular, que os cidadãos sejam educados duma forma popular; se se trata de uma Constituição oligárquica, que os cidadãos sejam educados oligarquicamente. Educar os cidadãos em consonância com o Estado não é lisonjear os grandes ou o povo, nem querer agradar-lhes, mas sim habituar os cidadãos a manter a sua oligarquia ou a sua democracia.

sexta-feira, 13 de janeiro de 2012

DAS REVOLUÇÕE PRÓPRIAS DAS MONARQUIAS

Os meios de subversão para a monarquia e para a tiraniaa são quase os mesmo para as repúblicas. Se a monarquia se assemelha à aristocracia, a tirania provém da oligarquia e da democracia levadas ao extremo; contido, diferem pela origem e pelo fim.
A realeza foi estabelecida contra a população para defesa das pessoas de bem. Foi de entre estas pessoas que saiu o rei, em virtude da excelência dos seus costumes, do mérito das suas acções ou do esplendor da sua raça. Já o tirano tem a sua origem no ódio contra os nobres; saiu sempre da multidão e quase sempre é um demagogo que adquiriu c´redito no meio do povo criticando duramente os nobres.
Podemos encontrar pelo menos três espécies de tirania: a primeira tem origem em reis que alterando as condições impostas aos seus pais se atreveram a governar de uma maneira mais despótica, na segunda os principais magistrados permitiram-se abusar aproveitando a longa duração que os povos antigos davam às assembleias e aos cargos públicos e a terceira consiste na supremacia que as oligarquias, ao eleger os principais magistrados, lhes conferiam sobre todas as outras autoridades.
Tanto a realeza como a aristocracia se atribuem ao mérito pessoal ou ao dos antepassados, aos benefícios assinalados, ao poder ou a todos estes títulos conjuntamente. O dever de um rei (a sua honra) é velar para que os proprietários não sejam espoliados por agressores injustos e para que o povo não seja ultrajado por personagens insolentes; já o tirano (por prazer e dinheiro) não se preocupa com o interesse comum, a não ser quando esse interesse está ligado ao seu próprio.
A tirania reúne os vícios da democracia aos da oligarquia. Tem de comum com a segunda o popor-se à opulência como finalidade, desconfiar do povo, desarmá-lo, oprimi-o, expulsá-lo das cidades e dispersá-lo nos campos em colónias. A democracia vai buscar a guerra aos nobres, a sua destruição aberta ou clandestina, a sua repulsão, considerando-se como rivais ou inimigos do governo (é vulgarmente desta classe que provêm as conspirações).

Causas comuns à realeza e à tirania

São os mesmos os princípios que produzem as revoluções nas monarquias e nas repúblicas: injustiça, perigo, desprezo por pate dos reis, medo, conjura e cobiça. Tanto na realeza como na tirania as conspirações tendem para os mesmos fins: uma vez que os monarcas têm riquezas, toda a gente os quer igualar.
A tirania destrói-se pelo exterior (quando existe na vizinhança algum outro Estado mais poderoso e com um sistema contrário), pela divisão entre os pretendentes e pelo ódio. Quase todos os usurpadores conservaram a soberania durante a vida, apesar do ócio público; mas quase todos os seus sucessores a perderam rapidamente.

Superioridade da monarquia

A realeza tem menos a temer das causas exteriores, dura mais tempo mas arruína-se a si própria de duas maneiras: pela divisão daqueles que nela participam ou pela tendência para a tirania, quando os reis querem aumentar incessantemente o seu poder, mesmo contra as leis.
A realeza é a dignidade estabelecida voluntariamente e cujo poder leva às maiores coisas. Nas realezas hereditárias, contudo, enfraquecemos, pois o sucessor pode ser insolente, causando a revolta dos súbditos. Se persistir no poder não passa de um tirano que governa homens livres contra a sua vontade.
No fim, tanto a monarquia tirânica como a oligarquia são as formas de Estado menos duradouras.

AS REVOLUÇÕES PRÓPRIAS DAS REPÚBLICAS

Causas das revoluções em democracia

Nos Estados democráticos a principal causa de mudança é o atrevimento dos demagogos, que caluniam os ricos, obrigam-nos a ligar-se entre si e amotinam publicamente o povo contra a coalizão.

Causas das revoluções em oligarquia

Nas oligarquias podemos encontrar duas causas de revolução, que são tanto da parte do povo (quando as pessoas com cargos se mostram injustas para com a multidão) como da parte dos ricos (consequência da existência das várias classes entre eles). As oligarquias destroem-se também a si próprias quando são minadas pela demagogia do seu próprio chefe. Outras causas menores são a adulação dos seus colegas por algum membro do Senado oligárquico, assegurar ao povo a benevolência dos magistrados, a dissipação dos seus bens em intemperências pelos responsáveis do governo, o aparecimento de uma espécie de oligarquia ainda mais estreita e vexames e insultos que as pessoas em destaque fazem umas às outras. Já quando a oligarquia está de acordo consigo própria não é fácil destruí-la.
As mudanças tanto se fazem em tempo de guerra (os magistrados, desconfiando do povo, vêem-se obrigados a chamar tropas estrangeiras) como em tempo de paz (os oligarcas, desconfiando uns dos outros, entregam a segurança do Estado aos seus soldados) e podem ser imperceptíveis quando a aristocracia se corrompe pouco a pouco (acontece também em qualquer república).

Causas das revoluções em aristocracia

A aristocracia é uma espécie de oligarquia, logo os casos de sedição são quase os mesmos. As causas para as sedições podem ser o pequeno número dos elegíveis (está ameaçada a tranquilidade quando muitos homens que se consideram de igual valor são afastados de determinada dignidade), população na miséria extrema e outros na opulência, quando um só pretende dominar sozinho ou pelo vício do pacto fundamental: a república com a errada mistura da democracia e da oligarquia e a aristocracia com a ausência de virtude.
A aristocracia e a república não poderiam ser mais contrastantes. Se a aristocracia se inclina para a oligarquia e as pessoas, em razão da sua riqueza, não têm qualquer escrúpulo em tirar aos outros todos os rendimentos, já a república inclina-se para a democracia, que é mais segura e duradoura (as pessoas são em maior número,mais fortes e mais fáceis de contentar). Contudo não é certo que a aristocracia se torne oligarquia e a república se torne democracia, embora seja essa a tendência: a aristocracia, raras vezes, pode tornar-se democracia (pela atracção dos pobres) e a república uma oligarquia (pela atracção dos ricos).
Contudo, no fim não há Estado duradouro senão aquele que tem por base a igualdade proissional, em relação ao mérito e à vontade geral de dar a cada um o que lhe é devido.

domingo, 20 de novembro de 2011

DAS SUBVSERSÕES E SUAS CAUSAS GERAIS

Nas diversas formas de sociedade que apareceram, chegou-se a acordo para manter o direito e assegurar a igualdade proporcional. mas houve vário que o entenderam mal.
Na democracia, sendo todos iguais em certos aspectos, cedo consideraram-se iguais duma forma absoluta, querendo participar em tudo; na oligarquia, algumas pessoas, sendo desiguais nalgumas coisas, consideraram-se superiores em tudo, querendo ter mais em todas as coisas. Assim, quando não obtêm do governo a parte que julgam ser direito, promovem sedições.
O mérito é portador da superioridade absoluta.

Permanência do Estado através dos regimes

Devemos preocupar-nos tanto com o lugar como com as pessoas. É possível, que suceda um desmembramento no território (as pessoas continuam no mesmo lugar) ou uma separação entre as pessoas (algumas pessoas retiram-se para outro lugar). Do facto de as pessoas habitarem o mesmo país não se segue que se trate de uma única e mesma cidade.
Os principais problemas da política são saber se convém a um Estado abranger só uma nação ou várias, saber se persiste em ser o mesmo enquanto conserve o mesmo género de habitantes apesar da morte de uns e do nascimento de outros e, continuando as pessoas as mesmas, se a Cidade (espécie de comunidade contendo a universalidade dos cidadãos) poderá mudar.
A qualidade do cidadão varia conforme a forma de governo, pois já não se trata do mesmo Estado quando o governo passa de uma forma a outra.
É a forma e não a matéria que decide se um Estado permanece o mesmo.

O excesso de desigualdade, causa principal das subversões

As transformações fazem-se do mais para o menos ou do menos para o mais, ou sejam, aumentando ou diminuindo a intensidade da oligarquia ou da democracia, ou ainda dos outros governos, de maneira que o Estado se torna mais ou menos oligárquico, mais ou menos democrático e assim sucessivamente. Modifica-se ainda certa parte do sistema político, quer erigindo, quer suprimindo determinada magistratura.
A desigualdade dá origem a sedições, tanto por não se guardar qualquer proporção entre desiguais como por se fazer demasiada diferença entre iguais. Na realeza há uma desigualdade chocante, pois esta existe entre desiguais e perpetuamente.
Para aqueles que procuram em toda a parte a igualdade ela torna-se uma fonte permanente de sedições. A igualdade pode ser de duas espécies: em número (quando dos dois lados se encontra a mesma multidão) e em mérito (quando existe proporção).
Só existe contestação relativamente à justiça proporcional devido ao mérito; uns, porque são iguais em alguns aspectos, imaginam ser completamente iguais; outros, porque são desiguais em determinado ponto, consideram-se como superiores em tudo e dignos de todas as preferências. Foi destas duas pretensões opostas que nasceram principalmente a democracia e a oligarquia.
Tanto a nobreza como o mérito se encontram sempre em poucas pessoas.
Não é político fundar muito simplesmente a Constituição dum Estado sobre uma ou outra igualdade. Nenhum Estado baseado neste princípio é duradouro. A democracia é a forma de estado mais segura e está menos sujeita a sedições que a oligarquia, na qual há sedições de dois lados: por parte dos que estão no governo entre si e da parte do povo; a democracia só sofre sedições por parte das minorias oligárquicas. Contudo, o melhor de todos os governos é o republicano: este sai da classe média, aproxima-se mais da democracia do que da oligarquia e é o mais seguro e o mais duradouro de todos os governos.

Outras causas

Tanto as sedições e as revoluções surgem devido a três problemas: a disposição dos espíritos para a sedição, os motivos que levam a isso e o princípio das querelas e das perturbações civis. A causa desta disposição para a mudança é que uns, enfatuados com a igualdade, põem tudo em movimento, se se julgam menos bem tratados do que os outros que eles consideram como seus iguais; estes, ciosos por conservarem a desigualdade e a sua superioridade, sentem-se ofendidos, ainda que superiores, por não terem mais e talvez até por terem menos do que o normal. A razão que os leva à sedição é o esforço dos inferiores para se tornarem iguais e dos iguais para se tornarem superiores.
O objecto dos seus debates é o proveito ou honra e os seus contrários. Querendo evitar para si ou para os seus amigos alguma afronta ou algum prejuízo, promovem sedições e perturbações no Estado.
As causas que estão na origem destes movimentos são sete: proveito ou honra, desprezo, ultrajes, aumentos excessivos, terror, poder demasiado e demasiado crédito. Outras causas são intrigas, esquecimento, aviltamento e diferença de tratamento que se experimenta.
Quando são as pessoas altamente colocadas que ofendem ou especulam, os cidadãos levantam-se não só contra eles, mas contra o governo que permite tais coisas. A avareza dos chefes manifesta-se tanto pela pilhagem dos bens privados como pela pilhagem do tesouro público.
Os que não participam das honras revoltam-se por vê-las todas atribuídas a outros (ambição).
A sedição acontece ainda por democracia superioridade, quando um ou vários cidadãos se elevam a um grau de poder maior do que convém à dignidade e às forças do Estado, o que degenera ordinariamente em realeza ou coligação tirânica (dinastia ou politirania).
Uma outra causa de levantamento é a consciência dum grande crime e o temor de serem por ele castigados. O desprezo também leva a conspirações e à sedição: nas oligarquias, quando os que estão excluídos dos cargos são em maior número e se sentem mais fortes; nas democracias, quando os ricos desprezam as pessoas colocadas em cargos que desempenham mal as funções. Os aumentos excessivos de uma ordem relativamente às outras são também causa de revolução.
Quando o número de pobres aumenta e vários deles se tornam ricos, ou ainda quando os bens dos ricos aumentam de valor, passa-se à oligarquia concentrada (politirania).
A diversidade de origem dos habitantes também provoca questões, até que estejam habituados a viver em conjunto.
Nas oligarquias o povo provoca intrigas, tendo como injúria o facto de, apesar da sua pretensa igualdade, não ser admitido às mesmas tarefas; nas democracias são os nobres que se revoltam, por verem que são postos ao mesmo nível daqueles que o não são.

Os pretextos e as ocasiões

As sedições recaem sobre grandes interesses, tomando forma os menores quando as sedições surgem entre os principais do país. As questões dos poderosos também arrastam ordinariamente todo o Estado.
Todos aqueles que, quer na condição privada, quer nas magistraturas, conseguiram para o Estado algum poder ou aumento deste ocasionaram sempre perturbação. 
Os Estados experimentam ainda comoções quando aquelas das suas partes que parecem contrárias, como os ricos e o povo pobre, se contrabalançam e a classe média é nula ou muito pouco numerosa. Porque, se uma das duas facções consegue uma grande superioridade, a classe média não se atreve contra aquela que tem uma superioridade evidente. Aqueles, aliás, que são superiores em mérito, estando sempre em menor número do que os outros, quase não provocam sedições e participam pouco nelas.
Estas diversas mudanças acontecem, ou pela força (obrigando o povo a submeter-se), ou pela manha (induzindo-o a uma mudança voluntária e conservando o poder quando o povo se dá conta do erro).

quarta-feira, 16 de novembro de 2011

DAS VIRTUDES DO JUSTO MEIO

A melhor constituição e o melhor regime para a maioria dos Estados/indivíduos não se consideram nem pelas virtudes acima do alcance vulgar, nem pelo saber que só se adquire com os auxílios da fortuna, nem por uma forma de governo desejável, mas por um género de vida em que toda a gente possa atingi-la e pelo governo que a maioria dos Estados esteja disposta a receber.
A vida feliz consiste no exercício da virtude no meio-termo, encerrada nos limites dum bem-estar que toda a gente possa conseguir.

Importância e excelência da classe média

Existem três espécies de homens: os muito ricos (não querem saber obedecer), os do meio-termo (à-vontade de riqueza, ou seja, a melhor de todas as situações) e os muito pobres (invejosos). Tanto ricos como pobres não conseguem caminhar juntamente.
A sociedade quer membros iguais e semelhantes; tal só se encontra no meio-termo, constituído por aqueles que não desejam o bem alheio nem excitam a inveja de ninguém.
Há mais segurança nas democracias do que nas oligarquias porque os medíocres são em maior número e têm maior participação nas honras do que teriam num Estado oligárquico. Quando os pobres começam a prevalecer em número, a democracia não tarda a cair do nada. Assim, quando o povo está em vantagem temos uma democracia; quando o ricos estão em vantagem temos uma oligarquia.
Muito raramente acontecem repúblicas medianas; em toda a parte se seguiu o uso de rejeitar a igualdade e de procurar dominar quando se está por cima ou ceder e obedecer quando se é vencido.
Num Estado há duas coisas a considerar nas pessoas: a qualidade (liberdade, fortuna, saber, nobreza) e a quantidade (parte superior em número), podendo ter mais pobres e ser uma democracia ou ter mais ricos e ser uma oligarquia.
O legislador deve prestar atenção às pessoas da classe média; se o seu número é mais importante a Constituição será firme e estável.
Nas Constituições aristocráticas é um erro dar demasiado aos ricos e muito pouco aos pobres, pois o Estado é mais depressa arruinado com a cobiça dos ricos do que com a dos pobres.

O regime moderado

A situação justa será reunir às instituições da oligarquia as constituições da democracia, propondo um salário a uns e impondo um contributo aos outros. Faz-se assim um governo comum a todos.
Os Estados antigos eram ou oligárquicos ou monárquicos e tinham pouca gente; assim, havia dificuldade em encontrar boas pessoas ou abastadas e a multidão, pouco numerosa e inculta, deixava-se governar.

domingo, 13 de novembro de 2011

CRÍTICA DAS REPÚBLICAS

Existem duas categorias de más repúblicas: a oligarquia (oposta da aristocracia, tem demasiada intensidade e despotismo) e a democracia (oposta da república, é demasiado frouxa e próxima da dissolução). Ambas possuem justiça, mas só até certo ponto.

A igualdade e os seus limites
O bem é o fim de toda a ciência e arte; o maior bem é o fim da política, sendo que o bem político é a justiça que, inseparável do interesse comum e enquanto espécie de igualdade, é a base do direito. Os democratas consideram justo o que foi decidido pela maioria das opiniões; já os oligarcas tomam como justo o que foi querido pelos mais importantes em propriedades. Há injustiças em ambas as opiniões: os democratas abrem a porta ao roubo (se basta estar em maior número para fazer a lei, os indigentes confiscarão os bens dos ricos, que são em menor número) e os oligarcas levam à tirania (se um homem possuir mais riqueza que o demais será o único a ter direito a governar).
A lei é o que agrada à pluralidade dos cidadãos; contudo, os fracos pedem igualdade e justiça e os fortes não se preocupam.

As pretensões concorrentes

O direito fundado nas riquezas ou na nobreza é mais do que duvidoso, pois será preciso dizer que o mais rico de entre todos deve mandar em todos ou que o mais nobre deve prevalecer sobre todos os homens livres.
A aristocracia apresenta os mesmos inconvenientes. Se se encontra alguém que ultrapassa os outros em mérito, resultará daí que o mando só a ele pertence.
O mesmo se passa com a multidão. Se é preciso que seja ela a fazer a lei, daí se seguirá que, se um só homem ou poucos homens, apesar de serem menos que os restantes, possam aceder mais facilmente ao governo.
O legislador que deseja fazer a melhor Constituição possível deve ter em vista mais o interesse das pessoas de bem do que o interesse da multidão. Deve colocar-se numa posição de equidade (exige que se prefira o interesse comum).
O cidadão é aquele que participa alternativamente em governar e ser governado e é diferente em cada forma de governo.

A excepção do génio

Os estados democráticos assumem a igualdade, por isso imaginaram o ostracismo; este é útil aos tiranos, é usado nas oligarquias e democracias e consiste em afastar e travar aqueles que se fazem notar demasiado. 

Os direitos do número

Confiar grandes lugares a cidadãos sem fortuna não é seguro por causa da sua corrupção e da sua ignorância, que lhes fariam cometer grandes injustiças e pesadas faltas. Contudo, seria perigoso privá-los de toda a participação, pois poder-se-iam tornar inimigos do Estado. Há, portanto, que admiti-los nas deliberações e juízos.
Ainda assim, eleger o bem é o objectivo dos sábios e é algo que não se deve deixar ao vulgar, bem como a eleição e a censura dos magistrados.

A alternância do mando e da obediência

Vulgarmente, diz-se que o fundamento do governo democrático é a liberdade, como se não existisse liberdade senão nesta forma de governo. Acrescenta-se ainda que é para esta finalidade que tende toda a democracia.
Um dos apanágios da liberdade é mandar e obedecer, cada um por sua vez. Desta diferente permanência ou alternância dependem a disciplina e a instituição.
Torna-se necessário que todos os cidadãos mandem e obedeçam alternadamente; isto porque é algo essencial para haver igualdade que haja uma mesma condição em pessoas semelhantes e porque é difícil que um governo seja duradouro se é constituído contra estes princípios de equidade.
É necessária uma diferença entre os governantes e os governados. Cabe ao legislador como é que isto se há-de fazer e como se devem repartir os poderes.
O mando liga-se aos interesses do que manda (despótico) e do que é mandado (liberal). A igualdade na alternância e na obediência é o primeiro atributo da liberdade que os democratas apresentam como fundamento e como fim da democracia.
As máximas democráticas são doze:

1. Todos têm direito a escolher entre todos os seus magistrados.
2. Todos têm poder sobre cada um e cada um deve mandar nos outros.
3. Devem tirar-se à sorte os magistrados.
4. Não é preciso ter-se qualquer preocupação com a sorte.
5. Não se deve conferir a mesma magistratura mais que uma vez à mesma pessoa.
6. Todos os cargos devem ser de curta duração.
7. Todos devem passar pelo poder judicial, qualquer que seja a classe a que pertençam e devem conhecer todos os assuntos, qualquer que seja a sua matéria;
8. A Assembleia Geral é senhora de tudo e os magistrados de nada.
9. Os membros do Senado não são pagos indistintamente.
10. Deve ser atribuída uma remuneração pela presença àqueles que assistem à assembleia do Senado e que sejam pagos os tribunais e os magistrados.
11. A oligarquia toma o seu carácter da nobreza, da fortuna e do saber dos seus partidários, enquanto a democracia é precisamente o oposto e se distingue pelo baixo nascimento, pela pobreza e pela vileza das profissões.
12. Não se deve aceitar qualquer magistratura perpétua.

Estes doze pontos são o espírito de todas as democracias e têm como princípio a igualdade numérica (quanto mais longe se leva esta igualdade, mais vincada é a democracia); pobres e ricos estão todos ao mesmo nível, para que possam exercer o poder, cada um na sua vez: assim se compreendem a igualdade e a liberdade.

As leis da oligarquia

A partir da democracia consegue-se inferir quais devem ser as leis das oligarquias. Basta tomar disposições totalmente contrárias às de cada democracia para se ter a oligarquia correspondente. Assim, as classes de cidadãos devem distinguir-se pelo rédito menor (capacidade de chegar aos  cargos necessários) e maior (capacidade para atingir os maiores cargos, de modo que todo aquele que chegou a esse nível de fortuna possa aspirar ocupá-los). A oligarquia que se segue deve regular-se da mesma maneira, pois a oligarquia não se pode conservar senão através da melhor ordem reinante nas suas diversas partes.