domingo, 20 de novembro de 2011

DAS SUBVSERSÕES E SUAS CAUSAS GERAIS

Nas diversas formas de sociedade que apareceram, chegou-se a acordo para manter o direito e assegurar a igualdade proporcional. mas houve vário que o entenderam mal.
Na democracia, sendo todos iguais em certos aspectos, cedo consideraram-se iguais duma forma absoluta, querendo participar em tudo; na oligarquia, algumas pessoas, sendo desiguais nalgumas coisas, consideraram-se superiores em tudo, querendo ter mais em todas as coisas. Assim, quando não obtêm do governo a parte que julgam ser direito, promovem sedições.
O mérito é portador da superioridade absoluta.

Permanência do Estado através dos regimes

Devemos preocupar-nos tanto com o lugar como com as pessoas. É possível, que suceda um desmembramento no território (as pessoas continuam no mesmo lugar) ou uma separação entre as pessoas (algumas pessoas retiram-se para outro lugar). Do facto de as pessoas habitarem o mesmo país não se segue que se trate de uma única e mesma cidade.
Os principais problemas da política são saber se convém a um Estado abranger só uma nação ou várias, saber se persiste em ser o mesmo enquanto conserve o mesmo género de habitantes apesar da morte de uns e do nascimento de outros e, continuando as pessoas as mesmas, se a Cidade (espécie de comunidade contendo a universalidade dos cidadãos) poderá mudar.
A qualidade do cidadão varia conforme a forma de governo, pois já não se trata do mesmo Estado quando o governo passa de uma forma a outra.
É a forma e não a matéria que decide se um Estado permanece o mesmo.

O excesso de desigualdade, causa principal das subversões

As transformações fazem-se do mais para o menos ou do menos para o mais, ou sejam, aumentando ou diminuindo a intensidade da oligarquia ou da democracia, ou ainda dos outros governos, de maneira que o Estado se torna mais ou menos oligárquico, mais ou menos democrático e assim sucessivamente. Modifica-se ainda certa parte do sistema político, quer erigindo, quer suprimindo determinada magistratura.
A desigualdade dá origem a sedições, tanto por não se guardar qualquer proporção entre desiguais como por se fazer demasiada diferença entre iguais. Na realeza há uma desigualdade chocante, pois esta existe entre desiguais e perpetuamente.
Para aqueles que procuram em toda a parte a igualdade ela torna-se uma fonte permanente de sedições. A igualdade pode ser de duas espécies: em número (quando dos dois lados se encontra a mesma multidão) e em mérito (quando existe proporção).
Só existe contestação relativamente à justiça proporcional devido ao mérito; uns, porque são iguais em alguns aspectos, imaginam ser completamente iguais; outros, porque são desiguais em determinado ponto, consideram-se como superiores em tudo e dignos de todas as preferências. Foi destas duas pretensões opostas que nasceram principalmente a democracia e a oligarquia.
Tanto a nobreza como o mérito se encontram sempre em poucas pessoas.
Não é político fundar muito simplesmente a Constituição dum Estado sobre uma ou outra igualdade. Nenhum Estado baseado neste princípio é duradouro. A democracia é a forma de estado mais segura e está menos sujeita a sedições que a oligarquia, na qual há sedições de dois lados: por parte dos que estão no governo entre si e da parte do povo; a democracia só sofre sedições por parte das minorias oligárquicas. Contudo, o melhor de todos os governos é o republicano: este sai da classe média, aproxima-se mais da democracia do que da oligarquia e é o mais seguro e o mais duradouro de todos os governos.

Outras causas

Tanto as sedições e as revoluções surgem devido a três problemas: a disposição dos espíritos para a sedição, os motivos que levam a isso e o princípio das querelas e das perturbações civis. A causa desta disposição para a mudança é que uns, enfatuados com a igualdade, põem tudo em movimento, se se julgam menos bem tratados do que os outros que eles consideram como seus iguais; estes, ciosos por conservarem a desigualdade e a sua superioridade, sentem-se ofendidos, ainda que superiores, por não terem mais e talvez até por terem menos do que o normal. A razão que os leva à sedição é o esforço dos inferiores para se tornarem iguais e dos iguais para se tornarem superiores.
O objecto dos seus debates é o proveito ou honra e os seus contrários. Querendo evitar para si ou para os seus amigos alguma afronta ou algum prejuízo, promovem sedições e perturbações no Estado.
As causas que estão na origem destes movimentos são sete: proveito ou honra, desprezo, ultrajes, aumentos excessivos, terror, poder demasiado e demasiado crédito. Outras causas são intrigas, esquecimento, aviltamento e diferença de tratamento que se experimenta.
Quando são as pessoas altamente colocadas que ofendem ou especulam, os cidadãos levantam-se não só contra eles, mas contra o governo que permite tais coisas. A avareza dos chefes manifesta-se tanto pela pilhagem dos bens privados como pela pilhagem do tesouro público.
Os que não participam das honras revoltam-se por vê-las todas atribuídas a outros (ambição).
A sedição acontece ainda por democracia superioridade, quando um ou vários cidadãos se elevam a um grau de poder maior do que convém à dignidade e às forças do Estado, o que degenera ordinariamente em realeza ou coligação tirânica (dinastia ou politirania).
Uma outra causa de levantamento é a consciência dum grande crime e o temor de serem por ele castigados. O desprezo também leva a conspirações e à sedição: nas oligarquias, quando os que estão excluídos dos cargos são em maior número e se sentem mais fortes; nas democracias, quando os ricos desprezam as pessoas colocadas em cargos que desempenham mal as funções. Os aumentos excessivos de uma ordem relativamente às outras são também causa de revolução.
Quando o número de pobres aumenta e vários deles se tornam ricos, ou ainda quando os bens dos ricos aumentam de valor, passa-se à oligarquia concentrada (politirania).
A diversidade de origem dos habitantes também provoca questões, até que estejam habituados a viver em conjunto.
Nas oligarquias o povo provoca intrigas, tendo como injúria o facto de, apesar da sua pretensa igualdade, não ser admitido às mesmas tarefas; nas democracias são os nobres que se revoltam, por verem que são postos ao mesmo nível daqueles que o não são.

Os pretextos e as ocasiões

As sedições recaem sobre grandes interesses, tomando forma os menores quando as sedições surgem entre os principais do país. As questões dos poderosos também arrastam ordinariamente todo o Estado.
Todos aqueles que, quer na condição privada, quer nas magistraturas, conseguiram para o Estado algum poder ou aumento deste ocasionaram sempre perturbação. 
Os Estados experimentam ainda comoções quando aquelas das suas partes que parecem contrárias, como os ricos e o povo pobre, se contrabalançam e a classe média é nula ou muito pouco numerosa. Porque, se uma das duas facções consegue uma grande superioridade, a classe média não se atreve contra aquela que tem uma superioridade evidente. Aqueles, aliás, que são superiores em mérito, estando sempre em menor número do que os outros, quase não provocam sedições e participam pouco nelas.
Estas diversas mudanças acontecem, ou pela força (obrigando o povo a submeter-se), ou pela manha (induzindo-o a uma mudança voluntária e conservando o poder quando o povo se dá conta do erro).

quarta-feira, 16 de novembro de 2011

DAS VIRTUDES DO JUSTO MEIO

A melhor constituição e o melhor regime para a maioria dos Estados/indivíduos não se consideram nem pelas virtudes acima do alcance vulgar, nem pelo saber que só se adquire com os auxílios da fortuna, nem por uma forma de governo desejável, mas por um género de vida em que toda a gente possa atingi-la e pelo governo que a maioria dos Estados esteja disposta a receber.
A vida feliz consiste no exercício da virtude no meio-termo, encerrada nos limites dum bem-estar que toda a gente possa conseguir.

Importância e excelência da classe média

Existem três espécies de homens: os muito ricos (não querem saber obedecer), os do meio-termo (à-vontade de riqueza, ou seja, a melhor de todas as situações) e os muito pobres (invejosos). Tanto ricos como pobres não conseguem caminhar juntamente.
A sociedade quer membros iguais e semelhantes; tal só se encontra no meio-termo, constituído por aqueles que não desejam o bem alheio nem excitam a inveja de ninguém.
Há mais segurança nas democracias do que nas oligarquias porque os medíocres são em maior número e têm maior participação nas honras do que teriam num Estado oligárquico. Quando os pobres começam a prevalecer em número, a democracia não tarda a cair do nada. Assim, quando o povo está em vantagem temos uma democracia; quando o ricos estão em vantagem temos uma oligarquia.
Muito raramente acontecem repúblicas medianas; em toda a parte se seguiu o uso de rejeitar a igualdade e de procurar dominar quando se está por cima ou ceder e obedecer quando se é vencido.
Num Estado há duas coisas a considerar nas pessoas: a qualidade (liberdade, fortuna, saber, nobreza) e a quantidade (parte superior em número), podendo ter mais pobres e ser uma democracia ou ter mais ricos e ser uma oligarquia.
O legislador deve prestar atenção às pessoas da classe média; se o seu número é mais importante a Constituição será firme e estável.
Nas Constituições aristocráticas é um erro dar demasiado aos ricos e muito pouco aos pobres, pois o Estado é mais depressa arruinado com a cobiça dos ricos do que com a dos pobres.

O regime moderado

A situação justa será reunir às instituições da oligarquia as constituições da democracia, propondo um salário a uns e impondo um contributo aos outros. Faz-se assim um governo comum a todos.
Os Estados antigos eram ou oligárquicos ou monárquicos e tinham pouca gente; assim, havia dificuldade em encontrar boas pessoas ou abastadas e a multidão, pouco numerosa e inculta, deixava-se governar.

domingo, 13 de novembro de 2011

CRÍTICA DAS REPÚBLICAS

Existem duas categorias de más repúblicas: a oligarquia (oposta da aristocracia, tem demasiada intensidade e despotismo) e a democracia (oposta da república, é demasiado frouxa e próxima da dissolução). Ambas possuem justiça, mas só até certo ponto.

A igualdade e os seus limites
O bem é o fim de toda a ciência e arte; o maior bem é o fim da política, sendo que o bem político é a justiça que, inseparável do interesse comum e enquanto espécie de igualdade, é a base do direito. Os democratas consideram justo o que foi decidido pela maioria das opiniões; já os oligarcas tomam como justo o que foi querido pelos mais importantes em propriedades. Há injustiças em ambas as opiniões: os democratas abrem a porta ao roubo (se basta estar em maior número para fazer a lei, os indigentes confiscarão os bens dos ricos, que são em menor número) e os oligarcas levam à tirania (se um homem possuir mais riqueza que o demais será o único a ter direito a governar).
A lei é o que agrada à pluralidade dos cidadãos; contudo, os fracos pedem igualdade e justiça e os fortes não se preocupam.

As pretensões concorrentes

O direito fundado nas riquezas ou na nobreza é mais do que duvidoso, pois será preciso dizer que o mais rico de entre todos deve mandar em todos ou que o mais nobre deve prevalecer sobre todos os homens livres.
A aristocracia apresenta os mesmos inconvenientes. Se se encontra alguém que ultrapassa os outros em mérito, resultará daí que o mando só a ele pertence.
O mesmo se passa com a multidão. Se é preciso que seja ela a fazer a lei, daí se seguirá que, se um só homem ou poucos homens, apesar de serem menos que os restantes, possam aceder mais facilmente ao governo.
O legislador que deseja fazer a melhor Constituição possível deve ter em vista mais o interesse das pessoas de bem do que o interesse da multidão. Deve colocar-se numa posição de equidade (exige que se prefira o interesse comum).
O cidadão é aquele que participa alternativamente em governar e ser governado e é diferente em cada forma de governo.

A excepção do génio

Os estados democráticos assumem a igualdade, por isso imaginaram o ostracismo; este é útil aos tiranos, é usado nas oligarquias e democracias e consiste em afastar e travar aqueles que se fazem notar demasiado. 

Os direitos do número

Confiar grandes lugares a cidadãos sem fortuna não é seguro por causa da sua corrupção e da sua ignorância, que lhes fariam cometer grandes injustiças e pesadas faltas. Contudo, seria perigoso privá-los de toda a participação, pois poder-se-iam tornar inimigos do Estado. Há, portanto, que admiti-los nas deliberações e juízos.
Ainda assim, eleger o bem é o objectivo dos sábios e é algo que não se deve deixar ao vulgar, bem como a eleição e a censura dos magistrados.

A alternância do mando e da obediência

Vulgarmente, diz-se que o fundamento do governo democrático é a liberdade, como se não existisse liberdade senão nesta forma de governo. Acrescenta-se ainda que é para esta finalidade que tende toda a democracia.
Um dos apanágios da liberdade é mandar e obedecer, cada um por sua vez. Desta diferente permanência ou alternância dependem a disciplina e a instituição.
Torna-se necessário que todos os cidadãos mandem e obedeçam alternadamente; isto porque é algo essencial para haver igualdade que haja uma mesma condição em pessoas semelhantes e porque é difícil que um governo seja duradouro se é constituído contra estes princípios de equidade.
É necessária uma diferença entre os governantes e os governados. Cabe ao legislador como é que isto se há-de fazer e como se devem repartir os poderes.
O mando liga-se aos interesses do que manda (despótico) e do que é mandado (liberal). A igualdade na alternância e na obediência é o primeiro atributo da liberdade que os democratas apresentam como fundamento e como fim da democracia.
As máximas democráticas são doze:

1. Todos têm direito a escolher entre todos os seus magistrados.
2. Todos têm poder sobre cada um e cada um deve mandar nos outros.
3. Devem tirar-se à sorte os magistrados.
4. Não é preciso ter-se qualquer preocupação com a sorte.
5. Não se deve conferir a mesma magistratura mais que uma vez à mesma pessoa.
6. Todos os cargos devem ser de curta duração.
7. Todos devem passar pelo poder judicial, qualquer que seja a classe a que pertençam e devem conhecer todos os assuntos, qualquer que seja a sua matéria;
8. A Assembleia Geral é senhora de tudo e os magistrados de nada.
9. Os membros do Senado não são pagos indistintamente.
10. Deve ser atribuída uma remuneração pela presença àqueles que assistem à assembleia do Senado e que sejam pagos os tribunais e os magistrados.
11. A oligarquia toma o seu carácter da nobreza, da fortuna e do saber dos seus partidários, enquanto a democracia é precisamente o oposto e se distingue pelo baixo nascimento, pela pobreza e pela vileza das profissões.
12. Não se deve aceitar qualquer magistratura perpétua.

Estes doze pontos são o espírito de todas as democracias e têm como princípio a igualdade numérica (quanto mais longe se leva esta igualdade, mais vincada é a democracia); pobres e ricos estão todos ao mesmo nível, para que possam exercer o poder, cada um na sua vez: assim se compreendem a igualdade e a liberdade.

As leis da oligarquia

A partir da democracia consegue-se inferir quais devem ser as leis das oligarquias. Basta tomar disposições totalmente contrárias às de cada democracia para se ter a oligarquia correspondente. Assim, as classes de cidadãos devem distinguir-se pelo rédito menor (capacidade de chegar aos  cargos necessários) e maior (capacidade para atingir os maiores cargos, de modo que todo aquele que chegou a esse nível de fortuna possa aspirar ocupá-los). A oligarquia que se segue deve regular-se da mesma maneira, pois a oligarquia não se pode conservar senão através da melhor ordem reinante nas suas diversas partes.

sexta-feira, 22 de julho de 2011

CRÍTICA DAS MONARQUIAS

Das três formas irrepreensíveis de governo a melhor é, necessariamente, aquela que é administrada pelos melhores dirigentes.
Na aristocracia as virtudes do homem honesto são as mesmas que as do bom cidadão e os mesmos meios melhoram os particulares e os Estados. Há também uma grande afinidade entre a aristocracia e a monarquia, visto que possuem quase a mesma disciplina e costumes e que os seus chefes não precisam de outra educação para além daquela que forma o homem virtuoso.
A realeza é um dos melhores regimes e possui duas espécies: numa um é dono de todos e noutra o Estado é governado por um general perpétuo; esta última pertence mais à legislação do que à Constituição dum Estado porque esta dignidade pode existir em todas as formas de governo.

A superioridade da lei

A realeza limitada não apresenta uma forma particular de governo; o comando perpétuo dos exércitos também pode aparecer em qualquer república, mesmo na democracia como na aristocracia. A maior parte concorda em estar num só a autoridade do governo. Numa monarquia absoluta o rei faz tudo à sua vontade e segundo o seu bel-prazer.
Aqueles que só procuram a justiça querem encontrar um mediador: a lei; assim, torna-se necessária uma distinção entre as leis. As leis que estão impressas nos costumes dos povos têm muito mais autoridade e são duma importância diferente das leis escritas; são os costumes.
Um guia isento de paixões é sempre mais seguro do que aquele em que as paixões são inatas. Ora a lei é isenta de paixões.
Um homem, comparado com a multidão, deve provavelmente valer menos e é da multidão que é formado o Estado. Quando um juiz se deixa levar pela cólera ou por qualquer outra paixão, a sua sentença fica necessariamente marcada. Já numa multidão é difícil que todos os espíritos estejam ecolerizados ou errados.
Assim a aristocracia, que é o governo de várias pessoas de bem, é preferível em qualquer Estado à realeza, que é o governo de um só.

Razão de ser histórica da monarquia

Outrora os povos deixaram-se governar por reis porque raramente se encontravam ao mesmo tempo várias pessoas eminentes em mérito como na antiguidade. Escolhiam-se para reis homens que se tornavam notados pelos seus benefícios.
Quando se começaram a multiplicar as pessoas de mérito, não se quis mais este governo: procurou-se alguma coisa de conveniente para o interesse comum e foi-se para as repúblicas; contudo, estas foram-se corrompendo pela cobiça dos encarregados, que se enriqueciam à custa do Estado e formaram-se oligarquias, em que as riquezas estiveram na base das magistraturas. Os grandes passaram, portanto, ao despotismo e isto deu lugar à democracia, pois o povo levantou-se contra eles e ficou determinado a reaver a sua autoridade.
A realeza convém mais aos grandes Estados; contudo, um rei precisa de um certo poder para manter as leis e deve ter uma força tal que seja mais poderoso do que cada um em particular e que os agrupamentos de vários em conjunto, mas também deve ser mais fraco do que toda a nação.

Conveniência da monarquia para certos povos

Não é justo nem útil que, entre iguais e semelhantes, um só seja chefe de todos os outros, quer não tenham ainda lei e ele faça as suas vezes, quer já a tenham; nem que um homem de bem domine pessoas de bem, nem que um ser sem virtude domine os da sua espécie, ainda que tivesse sobre eles alguma espécie de mérito.
Dependendo do povo em questão adequam-se certos regimes. O povo próprio para uma monarquia está acostumado desde o nascimento ao jugo duma família reconhecida para estar à frente na arte de governar; a multidão feita para a aristocracia suporta sem dificuldade o governo das pessoas livres, tendo as virtudes civis próprias do mando; finalmente, numa nação destinada à república os homens são naturalmente belicosos, igualmente próprios para mandar e para obedecer, de acordo com uma Constituição que distribui os poderes aos ricos segundo o seu mérito. É do direito dos povos, quando formam um Estado, optar entre a aristocracia, a oligarquia ou a democracia e entregar o império a quem quer que lhe pareça bastar ou ser excelente.

quinta-feira, 21 de julho de 2011

DO MELHOR GOVERNO

O melhor governo é aquele que convém a qualquer povo.

A melhoria do regime estabelecido

Tanto o legislador como o bom político não devem ignorar, nem o governo que é em si o melhor, nem aquele que as circunstâncias permitem ou exigem, nem o mérito do governo que é submetido ao seu exame; também devem conhecer a melhor forma de governo que pode convir a qualquer Estado embora isto não baste: também é preciso ver, nos casos particulares, qual é a que se torna possível estabelecer e qual a mais fácil e a mais comum para os Estados existentes.
Nunca se deveria introduzir qualquer nova Constituição sem antes os povos, depois dum exame reflectido sobre os seus meios e situações, terem podido e querido recebê-la de comum acordo. Corrigir a que existe não é menos fora de propósito do que instituir outras, da mesma forma que é também mais difícil perder do que contrair hábitos. Um homem de Estado deve saber remediar os vícios do governo. As leis devem ajustar-se à Constituição e não esta à leis; se a Constituição é a ordem ou distribuição dos poderes que existem num Estado, ou seja, a maneira como aí estão distribuídos, a sede da soberania e o fim a que aí se propõe a sociedade civil, as leis são distingas dos artigos fundamentais da Constituição, servindo para regrar os magistrados, para o exercício do mando e para conservar o respeito.
Dificuldades de atribuição da soberania

A principal dificuldade de atribuição da soberania é saber a quem deve pertencer o exercício desta.
A justiça é o principal bem do Estado, não o devendo dissolver nem pode acontecer que decretos injustos tenham o valor de lei; esta deve dominar e não se pode fazer pior do que substituí-la pela vontade de um homem, sujeito como os outros às suas paixões.

quarta-feira, 20 de julho de 2011

DOS TRÊS PODERES EM QUALQUER GOVERNO

Qualquer governo tem três poderes essenciais: o poder legislativo ou deliberativo (que delibera sobre os negócios do Estado), o poder executivo (aquele de que o Estado tem  necessidade para agir) e o poder judicial (que trata das tarefas de jurisdição).

O poder legislativo (deliberativo)

O poder legislativo ou deliberativo pertence à Assembleia: esta decide a paz e a guerra, faz alianças, faz leis e revoga-as, decreta a pena de morte, o desterro e o confisco e pede contas aos magistrados.
Na democracia todos são admitidos à deliberação e de todas as formas; estas formas são quatro. Na primeira, em vez de viverem todos em conjunto, vêm por secções e assim sucessivamente; todos participam, cada um por sua vez, nas magistraturas, qualquer que seja o seu nível, até que todos tenham lá passado; é constituída uma assembleia-geral do povo que trata da feitura das leis, da revisão da Constituição e ouve as proclamações dos magistrados. Na segunda deliberam todos em conjunto e em assembleia-geral para eleger magistrados, para legislar, para a paz ou para a guerra, para ouvir as contas e para censurar os responsáveis; tudo o resto fica entregue ao poder e à decisão de magistrados, que podem ser eleitos por sorteio ou por eleição. Na terceira a assembleia-geral dos cidadãos só se efectua para nomear e censurar os magistrados e para a guerra e confederações; tudo o resto é administrado por magistrados eleitos pelo povo. Finalmente na quarta reúne-se para a deliberação sem que os magistrados possam decidir nada, mas somente ser os primeiros a dar a sua opinião.
Todas estas formas de deliberar são democráticas; contudo, há oligarquia quando a deliberação é de todas as formas entregue a alguns.

O poder executivo

As magistraturas são aquelas que tomam parte do poder público para determinar assuntos, com a finalidade de deliberar acerca deles, de os julgar e de os ordenar. O mando é o seu atributo característico. Deve-se criar dois tipos de magistraturas: as magistraturas essenciais (sem as quais um Estado não pode subsistir) e as magistraturas criadas para a boa ordem e para o bem-estar.
O poder executivo cabe ao governo; este deve ter pelo menos quatro cuidados: fazer encontrar nos mercados os víveres necessários (em todas as cidades é indispensável comprar e vender para as respectivas necessidades, pois é o meio mais rápido de procurar o bem-estar), tomar o encargo dos edifícios públicos e privados, mandar executar as leis e propiciar o direito de impor as taxas e de inspeccionar a percepção das mesmas taxas.
Nas grandes cidades não se torna necessário conferir mais do que uma tarefa a cada um (avanço do maior número) devido a grande número de habitantes; também por isto as funções devem executar-se com grandes intervalos ou apenas uma vez na vida. Já nas pequenas cidades a falta de pessoas obriga a conferir várias funções ao mesmo tempo a uma mesma pessoa, desde que não se tratem de funções incompatíveis.
O poder da criação dos magistrados compreende três pontos: a quem deve pertencer a nomeação dos magistrados, donde devem ser recrutados e como se deve proceder. A estes três pontos há três soluções diferentes: a nomeação por todos os cidadãos ou somente por alguns de entre eles, a eleição de uma classe determinada quer pelo rédito quer pelo nascimento/mérito ou qualquer outro atributo e a designação por eleição ou por sorteio.

O poder judicial

A ordem judiciária é o terceiro órgão da Constituição e do governo. Existem oito espécies de juízes: para a prestação de contas e exame da conduta dos magistrados, para tratar dos roubos nas finanças, para tratar dos crimes contra o Estado ou contra a Constituição, para tratar das multas contra as pessoas, para tratar de contratos de qualquer importância, para tratar de assassinatos ou tribunais criminais, para os assuntos estrangeiros e para os pequenos assuntos. Existem duas formas de eleição dos juízes para cada destino que eles ocupem: os juízes para todas as espécies de assuntos são eleitos por eleição ou por sorteio, os para todas as espécies de matérias parte é por eleição e parte é por sorteio e os que são para determinados assuntos também são eleitos ou por eleição ou por sorteio.

terça-feira, 19 de julho de 2011

DAS DIVERSAS FORMAS DE GOVERNO

O governo é o exercício do poder do Estado, que pode estar nas mãos de um só, do menor número ou do maior número, sendo que o objectivo é procurar a felicidade geral.
Existem seis formas de governo, sendo que três delas são a subversão das três puras. Abaixo segue uma tabela com as três formas de governo puras com a cor azul e das três subversões correspondentes a vermelho.

Monarquia
O mando pertence a um só para o bem de todos.
Tirania
Orientada para a utilidade do monarca; um homem sobre o Estado.
Aristocracia
O Mando é confiado a mais do que um.
Oligarquia
Orientada para a utilidade dos ricos; governo dos ricos.
República
A multidão governa para a utilidade pública.
Democracia
Orientada para a utilidade dos pobres; governo dos pobres.
A monarquia

Existem quatro espécies de monarquia. Na primeira o poder do rei não é absoluto, contudo este detém a autoridade suprema sobre o exército e o culto religioso e o título é transmissível aos descendentes pelo facto de guerra; na segunda o poder aproxima-se do despotismo, contudo é legítimo e hereditário e é uma monarquia mais estável e sólida, fundada na lei; a terceira dá pelo nome de Aisimetia (ou despotismo electivo), na qual o poder é conferido pelo povo por tempo indeterminado e não é hereditário nem transmissível; finalmente, a quarta chama-se realeza dos tempos heróicos e é voluntária e hereditária, sendo que os reis são os benfeitores da multidão e superintendem a guerra e a religião.

A aristocracia

A aristocracia é uma magistratura composta por pessoas de bem sem qualquer restrição; o título de bom cidadão é sinónimo de homem honesto.

A república

A república reúne o que há de bom nos dois regimes degenerados, a oligarquia e a democracia; contudo, pode tornar-se numa ponerocracia, ou seja, num governo com más leis. Para que um Estado seja bem orientado, não basta que tenha boas leis se se não tem cuidado com a sua execução. A submissão às leis existentes é a primeira parte duma boa organização; a segunda é o valor intrínseco das leis a que se está submetido.
Valores diferentes distinguem a aristocracia da oligarquia e da democracia: enquanto que na primeira se procura a virtude, na segunda dá-se valor à riqueza e na terceira à liberdade. Nas três as decisões tomam-se pela pluralidade dos votos, ou seja, o que é decidido pelo maior número daqueles que têm a condição de cidadãos adquire forma de lei. Isto caracteriza a verdadeira república. Apesar de, dos seis regimes, serem a oligarquia, a república e a democracia, dois governos subvertidos e um puro, que se regem pela decisão da maioria, entre os três há diferenças substanciais. Pela visualização da tabela abaixo poderemos compreender por que é que de entre os três regimes que dão valor à maioria a república é o melhor.

Oligarquia
República
Democracia
A lei não estipula para os pobres qualquer salário para administrar a justiça.
A lei estipula um salário para os pobres.
A lei estipula um salário para os pobres.
Estabelece penas para os ricos quando estes se recusam a estar presentes nos julgamentos.
Estipula uma multa para os ricos quando estes se recusam a estar presentes num julgamento.
Não impõe nenhuma pena aos ricos quando estes se recusam a estar presentes nos julgamentos.
Admite nas assembleias gerais aqueles que têm grandes rendimentos.
Recebe nas assembleias gerais os de posses modestas e com cultura suficiente.
Admite nas assembleias gerais aqueles que não têm qualquer rendimento ou qualquer cultura.


A tirania

A tirania é o regime subvertido da monarquia. Tem pelo menos três espécies, sendo que em todas os reis detêm o poder absoluto: legítima (a realeza é aceite voluntariamente), tirânica (o poder é exercido como melhor parece aos príncipes) e do homem (isento de toda a responsabilidade ou censura, governado para o seu próprio interesse e governando os seus iguais ou melhores que ele).

A oligarquia

A oligarquia é o regime subvertido da aristocracia. Tem pelo menos quatro formas. A primeira é aquela em que as magistraturas se entregam à fortuna; excluem os pobres (ainda que sejam em maioria), todo aquele que atingiu o nível de fortuna prescrito torna-se apto para as honras, é a lei e não o capricho que domina e prefere-se a dominação da lei à sua própria dominação. A segunda é aquela em que os proprietários estão em maior número, mas mais ricos que no caso precedente; são mais poderosos, mais autoritários, os lugares estão reservados para os mais ricos e estes fazem passar como leis as preferências que têm. Na terceira os lugares são hereditários e na quarta dominam os magistrados e não a lei (aproxima-se da realeza).

A democracia

A democracia difere da oligarquia na medida em que a primeira é o governo das pessoas livres e a segunda é o governo dos ricos. Não há democracia numa nação em que poucos homens livres mandam num maior número de pessoas que o não são. Também não seria uma democracia se os ricos não fossem superiores senão pelo seu número.
Existem pelo menos quatro espécies de democracia. Na primeira os poderes distribuem-se em relação com os bens até uma certa e pequena quantidade, de modo que se admitem todos os que atingem esse nível. Na segunda há direito de sufrágio nas eleições que se realizam na Assembleia; todo aí são admitidos e as leis respeitadas. A terceira admite no governo qualquer pessoa livre; como não apresenta qualquer atractivo para a cobiça, não está sujeita a concorrência perigosa dum grande número de pretendentes, de modo que a lei é aí necessariamente respeitada. Finalmente, a quarta rege-se pela igualdade absoluta: os pobres estão ao nível dos ricos e querem que uns tenham mais direitos que outros no governo, detêm a mesma participação nas vantagens civis e especialmente nos lugares importantes e o povo manda pelo número e o que agrada à maioria torna-se lei; cria-se, assim, um Estado Popular, no qual os pobres mandam, consequentemente desleixam-se no seu trabalho e o Estado fica sob um domínio indigente, pois o povo torna-se tirano e caracterizado por um desprezo pelas leis (e onde as leis não têm força não pode haver república), ataques aos magistrados e um povo que se julga no direito de julgar.