domingo, 20 de novembro de 2011

DAS SUBVSERSÕES E SUAS CAUSAS GERAIS

Nas diversas formas de sociedade que apareceram, chegou-se a acordo para manter o direito e assegurar a igualdade proporcional. mas houve vário que o entenderam mal.
Na democracia, sendo todos iguais em certos aspectos, cedo consideraram-se iguais duma forma absoluta, querendo participar em tudo; na oligarquia, algumas pessoas, sendo desiguais nalgumas coisas, consideraram-se superiores em tudo, querendo ter mais em todas as coisas. Assim, quando não obtêm do governo a parte que julgam ser direito, promovem sedições.
O mérito é portador da superioridade absoluta.

Permanência do Estado através dos regimes

Devemos preocupar-nos tanto com o lugar como com as pessoas. É possível, que suceda um desmembramento no território (as pessoas continuam no mesmo lugar) ou uma separação entre as pessoas (algumas pessoas retiram-se para outro lugar). Do facto de as pessoas habitarem o mesmo país não se segue que se trate de uma única e mesma cidade.
Os principais problemas da política são saber se convém a um Estado abranger só uma nação ou várias, saber se persiste em ser o mesmo enquanto conserve o mesmo género de habitantes apesar da morte de uns e do nascimento de outros e, continuando as pessoas as mesmas, se a Cidade (espécie de comunidade contendo a universalidade dos cidadãos) poderá mudar.
A qualidade do cidadão varia conforme a forma de governo, pois já não se trata do mesmo Estado quando o governo passa de uma forma a outra.
É a forma e não a matéria que decide se um Estado permanece o mesmo.

O excesso de desigualdade, causa principal das subversões

As transformações fazem-se do mais para o menos ou do menos para o mais, ou sejam, aumentando ou diminuindo a intensidade da oligarquia ou da democracia, ou ainda dos outros governos, de maneira que o Estado se torna mais ou menos oligárquico, mais ou menos democrático e assim sucessivamente. Modifica-se ainda certa parte do sistema político, quer erigindo, quer suprimindo determinada magistratura.
A desigualdade dá origem a sedições, tanto por não se guardar qualquer proporção entre desiguais como por se fazer demasiada diferença entre iguais. Na realeza há uma desigualdade chocante, pois esta existe entre desiguais e perpetuamente.
Para aqueles que procuram em toda a parte a igualdade ela torna-se uma fonte permanente de sedições. A igualdade pode ser de duas espécies: em número (quando dos dois lados se encontra a mesma multidão) e em mérito (quando existe proporção).
Só existe contestação relativamente à justiça proporcional devido ao mérito; uns, porque são iguais em alguns aspectos, imaginam ser completamente iguais; outros, porque são desiguais em determinado ponto, consideram-se como superiores em tudo e dignos de todas as preferências. Foi destas duas pretensões opostas que nasceram principalmente a democracia e a oligarquia.
Tanto a nobreza como o mérito se encontram sempre em poucas pessoas.
Não é político fundar muito simplesmente a Constituição dum Estado sobre uma ou outra igualdade. Nenhum Estado baseado neste princípio é duradouro. A democracia é a forma de estado mais segura e está menos sujeita a sedições que a oligarquia, na qual há sedições de dois lados: por parte dos que estão no governo entre si e da parte do povo; a democracia só sofre sedições por parte das minorias oligárquicas. Contudo, o melhor de todos os governos é o republicano: este sai da classe média, aproxima-se mais da democracia do que da oligarquia e é o mais seguro e o mais duradouro de todos os governos.

Outras causas

Tanto as sedições e as revoluções surgem devido a três problemas: a disposição dos espíritos para a sedição, os motivos que levam a isso e o princípio das querelas e das perturbações civis. A causa desta disposição para a mudança é que uns, enfatuados com a igualdade, põem tudo em movimento, se se julgam menos bem tratados do que os outros que eles consideram como seus iguais; estes, ciosos por conservarem a desigualdade e a sua superioridade, sentem-se ofendidos, ainda que superiores, por não terem mais e talvez até por terem menos do que o normal. A razão que os leva à sedição é o esforço dos inferiores para se tornarem iguais e dos iguais para se tornarem superiores.
O objecto dos seus debates é o proveito ou honra e os seus contrários. Querendo evitar para si ou para os seus amigos alguma afronta ou algum prejuízo, promovem sedições e perturbações no Estado.
As causas que estão na origem destes movimentos são sete: proveito ou honra, desprezo, ultrajes, aumentos excessivos, terror, poder demasiado e demasiado crédito. Outras causas são intrigas, esquecimento, aviltamento e diferença de tratamento que se experimenta.
Quando são as pessoas altamente colocadas que ofendem ou especulam, os cidadãos levantam-se não só contra eles, mas contra o governo que permite tais coisas. A avareza dos chefes manifesta-se tanto pela pilhagem dos bens privados como pela pilhagem do tesouro público.
Os que não participam das honras revoltam-se por vê-las todas atribuídas a outros (ambição).
A sedição acontece ainda por democracia superioridade, quando um ou vários cidadãos se elevam a um grau de poder maior do que convém à dignidade e às forças do Estado, o que degenera ordinariamente em realeza ou coligação tirânica (dinastia ou politirania).
Uma outra causa de levantamento é a consciência dum grande crime e o temor de serem por ele castigados. O desprezo também leva a conspirações e à sedição: nas oligarquias, quando os que estão excluídos dos cargos são em maior número e se sentem mais fortes; nas democracias, quando os ricos desprezam as pessoas colocadas em cargos que desempenham mal as funções. Os aumentos excessivos de uma ordem relativamente às outras são também causa de revolução.
Quando o número de pobres aumenta e vários deles se tornam ricos, ou ainda quando os bens dos ricos aumentam de valor, passa-se à oligarquia concentrada (politirania).
A diversidade de origem dos habitantes também provoca questões, até que estejam habituados a viver em conjunto.
Nas oligarquias o povo provoca intrigas, tendo como injúria o facto de, apesar da sua pretensa igualdade, não ser admitido às mesmas tarefas; nas democracias são os nobres que se revoltam, por verem que são postos ao mesmo nível daqueles que o não são.

Os pretextos e as ocasiões

As sedições recaem sobre grandes interesses, tomando forma os menores quando as sedições surgem entre os principais do país. As questões dos poderosos também arrastam ordinariamente todo o Estado.
Todos aqueles que, quer na condição privada, quer nas magistraturas, conseguiram para o Estado algum poder ou aumento deste ocasionaram sempre perturbação. 
Os Estados experimentam ainda comoções quando aquelas das suas partes que parecem contrárias, como os ricos e o povo pobre, se contrabalançam e a classe média é nula ou muito pouco numerosa. Porque, se uma das duas facções consegue uma grande superioridade, a classe média não se atreve contra aquela que tem uma superioridade evidente. Aqueles, aliás, que são superiores em mérito, estando sempre em menor número do que os outros, quase não provocam sedições e participam pouco nelas.
Estas diversas mudanças acontecem, ou pela força (obrigando o povo a submeter-se), ou pela manha (induzindo-o a uma mudança voluntária e conservando o poder quando o povo se dá conta do erro).

quarta-feira, 16 de novembro de 2011

DAS VIRTUDES DO JUSTO MEIO

A melhor constituição e o melhor regime para a maioria dos Estados/indivíduos não se consideram nem pelas virtudes acima do alcance vulgar, nem pelo saber que só se adquire com os auxílios da fortuna, nem por uma forma de governo desejável, mas por um género de vida em que toda a gente possa atingi-la e pelo governo que a maioria dos Estados esteja disposta a receber.
A vida feliz consiste no exercício da virtude no meio-termo, encerrada nos limites dum bem-estar que toda a gente possa conseguir.

Importância e excelência da classe média

Existem três espécies de homens: os muito ricos (não querem saber obedecer), os do meio-termo (à-vontade de riqueza, ou seja, a melhor de todas as situações) e os muito pobres (invejosos). Tanto ricos como pobres não conseguem caminhar juntamente.
A sociedade quer membros iguais e semelhantes; tal só se encontra no meio-termo, constituído por aqueles que não desejam o bem alheio nem excitam a inveja de ninguém.
Há mais segurança nas democracias do que nas oligarquias porque os medíocres são em maior número e têm maior participação nas honras do que teriam num Estado oligárquico. Quando os pobres começam a prevalecer em número, a democracia não tarda a cair do nada. Assim, quando o povo está em vantagem temos uma democracia; quando o ricos estão em vantagem temos uma oligarquia.
Muito raramente acontecem repúblicas medianas; em toda a parte se seguiu o uso de rejeitar a igualdade e de procurar dominar quando se está por cima ou ceder e obedecer quando se é vencido.
Num Estado há duas coisas a considerar nas pessoas: a qualidade (liberdade, fortuna, saber, nobreza) e a quantidade (parte superior em número), podendo ter mais pobres e ser uma democracia ou ter mais ricos e ser uma oligarquia.
O legislador deve prestar atenção às pessoas da classe média; se o seu número é mais importante a Constituição será firme e estável.
Nas Constituições aristocráticas é um erro dar demasiado aos ricos e muito pouco aos pobres, pois o Estado é mais depressa arruinado com a cobiça dos ricos do que com a dos pobres.

O regime moderado

A situação justa será reunir às instituições da oligarquia as constituições da democracia, propondo um salário a uns e impondo um contributo aos outros. Faz-se assim um governo comum a todos.
Os Estados antigos eram ou oligárquicos ou monárquicos e tinham pouca gente; assim, havia dificuldade em encontrar boas pessoas ou abastadas e a multidão, pouco numerosa e inculta, deixava-se governar.

domingo, 13 de novembro de 2011

CRÍTICA DAS REPÚBLICAS

Existem duas categorias de más repúblicas: a oligarquia (oposta da aristocracia, tem demasiada intensidade e despotismo) e a democracia (oposta da república, é demasiado frouxa e próxima da dissolução). Ambas possuem justiça, mas só até certo ponto.

A igualdade e os seus limites
O bem é o fim de toda a ciência e arte; o maior bem é o fim da política, sendo que o bem político é a justiça que, inseparável do interesse comum e enquanto espécie de igualdade, é a base do direito. Os democratas consideram justo o que foi decidido pela maioria das opiniões; já os oligarcas tomam como justo o que foi querido pelos mais importantes em propriedades. Há injustiças em ambas as opiniões: os democratas abrem a porta ao roubo (se basta estar em maior número para fazer a lei, os indigentes confiscarão os bens dos ricos, que são em menor número) e os oligarcas levam à tirania (se um homem possuir mais riqueza que o demais será o único a ter direito a governar).
A lei é o que agrada à pluralidade dos cidadãos; contudo, os fracos pedem igualdade e justiça e os fortes não se preocupam.

As pretensões concorrentes

O direito fundado nas riquezas ou na nobreza é mais do que duvidoso, pois será preciso dizer que o mais rico de entre todos deve mandar em todos ou que o mais nobre deve prevalecer sobre todos os homens livres.
A aristocracia apresenta os mesmos inconvenientes. Se se encontra alguém que ultrapassa os outros em mérito, resultará daí que o mando só a ele pertence.
O mesmo se passa com a multidão. Se é preciso que seja ela a fazer a lei, daí se seguirá que, se um só homem ou poucos homens, apesar de serem menos que os restantes, possam aceder mais facilmente ao governo.
O legislador que deseja fazer a melhor Constituição possível deve ter em vista mais o interesse das pessoas de bem do que o interesse da multidão. Deve colocar-se numa posição de equidade (exige que se prefira o interesse comum).
O cidadão é aquele que participa alternativamente em governar e ser governado e é diferente em cada forma de governo.

A excepção do génio

Os estados democráticos assumem a igualdade, por isso imaginaram o ostracismo; este é útil aos tiranos, é usado nas oligarquias e democracias e consiste em afastar e travar aqueles que se fazem notar demasiado. 

Os direitos do número

Confiar grandes lugares a cidadãos sem fortuna não é seguro por causa da sua corrupção e da sua ignorância, que lhes fariam cometer grandes injustiças e pesadas faltas. Contudo, seria perigoso privá-los de toda a participação, pois poder-se-iam tornar inimigos do Estado. Há, portanto, que admiti-los nas deliberações e juízos.
Ainda assim, eleger o bem é o objectivo dos sábios e é algo que não se deve deixar ao vulgar, bem como a eleição e a censura dos magistrados.

A alternância do mando e da obediência

Vulgarmente, diz-se que o fundamento do governo democrático é a liberdade, como se não existisse liberdade senão nesta forma de governo. Acrescenta-se ainda que é para esta finalidade que tende toda a democracia.
Um dos apanágios da liberdade é mandar e obedecer, cada um por sua vez. Desta diferente permanência ou alternância dependem a disciplina e a instituição.
Torna-se necessário que todos os cidadãos mandem e obedeçam alternadamente; isto porque é algo essencial para haver igualdade que haja uma mesma condição em pessoas semelhantes e porque é difícil que um governo seja duradouro se é constituído contra estes princípios de equidade.
É necessária uma diferença entre os governantes e os governados. Cabe ao legislador como é que isto se há-de fazer e como se devem repartir os poderes.
O mando liga-se aos interesses do que manda (despótico) e do que é mandado (liberal). A igualdade na alternância e na obediência é o primeiro atributo da liberdade que os democratas apresentam como fundamento e como fim da democracia.
As máximas democráticas são doze:

1. Todos têm direito a escolher entre todos os seus magistrados.
2. Todos têm poder sobre cada um e cada um deve mandar nos outros.
3. Devem tirar-se à sorte os magistrados.
4. Não é preciso ter-se qualquer preocupação com a sorte.
5. Não se deve conferir a mesma magistratura mais que uma vez à mesma pessoa.
6. Todos os cargos devem ser de curta duração.
7. Todos devem passar pelo poder judicial, qualquer que seja a classe a que pertençam e devem conhecer todos os assuntos, qualquer que seja a sua matéria;
8. A Assembleia Geral é senhora de tudo e os magistrados de nada.
9. Os membros do Senado não são pagos indistintamente.
10. Deve ser atribuída uma remuneração pela presença àqueles que assistem à assembleia do Senado e que sejam pagos os tribunais e os magistrados.
11. A oligarquia toma o seu carácter da nobreza, da fortuna e do saber dos seus partidários, enquanto a democracia é precisamente o oposto e se distingue pelo baixo nascimento, pela pobreza e pela vileza das profissões.
12. Não se deve aceitar qualquer magistratura perpétua.

Estes doze pontos são o espírito de todas as democracias e têm como princípio a igualdade numérica (quanto mais longe se leva esta igualdade, mais vincada é a democracia); pobres e ricos estão todos ao mesmo nível, para que possam exercer o poder, cada um na sua vez: assim se compreendem a igualdade e a liberdade.

As leis da oligarquia

A partir da democracia consegue-se inferir quais devem ser as leis das oligarquias. Basta tomar disposições totalmente contrárias às de cada democracia para se ter a oligarquia correspondente. Assim, as classes de cidadãos devem distinguir-se pelo rédito menor (capacidade de chegar aos  cargos necessários) e maior (capacidade para atingir os maiores cargos, de modo que todo aquele que chegou a esse nível de fortuna possa aspirar ocupá-los). A oligarquia que se segue deve regular-se da mesma maneira, pois a oligarquia não se pode conservar senão através da melhor ordem reinante nas suas diversas partes.