sexta-feira, 22 de julho de 2011

CRÍTICA DAS MONARQUIAS

Das três formas irrepreensíveis de governo a melhor é, necessariamente, aquela que é administrada pelos melhores dirigentes.
Na aristocracia as virtudes do homem honesto são as mesmas que as do bom cidadão e os mesmos meios melhoram os particulares e os Estados. Há também uma grande afinidade entre a aristocracia e a monarquia, visto que possuem quase a mesma disciplina e costumes e que os seus chefes não precisam de outra educação para além daquela que forma o homem virtuoso.
A realeza é um dos melhores regimes e possui duas espécies: numa um é dono de todos e noutra o Estado é governado por um general perpétuo; esta última pertence mais à legislação do que à Constituição dum Estado porque esta dignidade pode existir em todas as formas de governo.

A superioridade da lei

A realeza limitada não apresenta uma forma particular de governo; o comando perpétuo dos exércitos também pode aparecer em qualquer república, mesmo na democracia como na aristocracia. A maior parte concorda em estar num só a autoridade do governo. Numa monarquia absoluta o rei faz tudo à sua vontade e segundo o seu bel-prazer.
Aqueles que só procuram a justiça querem encontrar um mediador: a lei; assim, torna-se necessária uma distinção entre as leis. As leis que estão impressas nos costumes dos povos têm muito mais autoridade e são duma importância diferente das leis escritas; são os costumes.
Um guia isento de paixões é sempre mais seguro do que aquele em que as paixões são inatas. Ora a lei é isenta de paixões.
Um homem, comparado com a multidão, deve provavelmente valer menos e é da multidão que é formado o Estado. Quando um juiz se deixa levar pela cólera ou por qualquer outra paixão, a sua sentença fica necessariamente marcada. Já numa multidão é difícil que todos os espíritos estejam ecolerizados ou errados.
Assim a aristocracia, que é o governo de várias pessoas de bem, é preferível em qualquer Estado à realeza, que é o governo de um só.

Razão de ser histórica da monarquia

Outrora os povos deixaram-se governar por reis porque raramente se encontravam ao mesmo tempo várias pessoas eminentes em mérito como na antiguidade. Escolhiam-se para reis homens que se tornavam notados pelos seus benefícios.
Quando se começaram a multiplicar as pessoas de mérito, não se quis mais este governo: procurou-se alguma coisa de conveniente para o interesse comum e foi-se para as repúblicas; contudo, estas foram-se corrompendo pela cobiça dos encarregados, que se enriqueciam à custa do Estado e formaram-se oligarquias, em que as riquezas estiveram na base das magistraturas. Os grandes passaram, portanto, ao despotismo e isto deu lugar à democracia, pois o povo levantou-se contra eles e ficou determinado a reaver a sua autoridade.
A realeza convém mais aos grandes Estados; contudo, um rei precisa de um certo poder para manter as leis e deve ter uma força tal que seja mais poderoso do que cada um em particular e que os agrupamentos de vários em conjunto, mas também deve ser mais fraco do que toda a nação.

Conveniência da monarquia para certos povos

Não é justo nem útil que, entre iguais e semelhantes, um só seja chefe de todos os outros, quer não tenham ainda lei e ele faça as suas vezes, quer já a tenham; nem que um homem de bem domine pessoas de bem, nem que um ser sem virtude domine os da sua espécie, ainda que tivesse sobre eles alguma espécie de mérito.
Dependendo do povo em questão adequam-se certos regimes. O povo próprio para uma monarquia está acostumado desde o nascimento ao jugo duma família reconhecida para estar à frente na arte de governar; a multidão feita para a aristocracia suporta sem dificuldade o governo das pessoas livres, tendo as virtudes civis próprias do mando; finalmente, numa nação destinada à república os homens são naturalmente belicosos, igualmente próprios para mandar e para obedecer, de acordo com uma Constituição que distribui os poderes aos ricos segundo o seu mérito. É do direito dos povos, quando formam um Estado, optar entre a aristocracia, a oligarquia ou a democracia e entregar o império a quem quer que lhe pareça bastar ou ser excelente.

quinta-feira, 21 de julho de 2011

DO MELHOR GOVERNO

O melhor governo é aquele que convém a qualquer povo.

A melhoria do regime estabelecido

Tanto o legislador como o bom político não devem ignorar, nem o governo que é em si o melhor, nem aquele que as circunstâncias permitem ou exigem, nem o mérito do governo que é submetido ao seu exame; também devem conhecer a melhor forma de governo que pode convir a qualquer Estado embora isto não baste: também é preciso ver, nos casos particulares, qual é a que se torna possível estabelecer e qual a mais fácil e a mais comum para os Estados existentes.
Nunca se deveria introduzir qualquer nova Constituição sem antes os povos, depois dum exame reflectido sobre os seus meios e situações, terem podido e querido recebê-la de comum acordo. Corrigir a que existe não é menos fora de propósito do que instituir outras, da mesma forma que é também mais difícil perder do que contrair hábitos. Um homem de Estado deve saber remediar os vícios do governo. As leis devem ajustar-se à Constituição e não esta à leis; se a Constituição é a ordem ou distribuição dos poderes que existem num Estado, ou seja, a maneira como aí estão distribuídos, a sede da soberania e o fim a que aí se propõe a sociedade civil, as leis são distingas dos artigos fundamentais da Constituição, servindo para regrar os magistrados, para o exercício do mando e para conservar o respeito.
Dificuldades de atribuição da soberania

A principal dificuldade de atribuição da soberania é saber a quem deve pertencer o exercício desta.
A justiça é o principal bem do Estado, não o devendo dissolver nem pode acontecer que decretos injustos tenham o valor de lei; esta deve dominar e não se pode fazer pior do que substituí-la pela vontade de um homem, sujeito como os outros às suas paixões.

quarta-feira, 20 de julho de 2011

DOS TRÊS PODERES EM QUALQUER GOVERNO

Qualquer governo tem três poderes essenciais: o poder legislativo ou deliberativo (que delibera sobre os negócios do Estado), o poder executivo (aquele de que o Estado tem  necessidade para agir) e o poder judicial (que trata das tarefas de jurisdição).

O poder legislativo (deliberativo)

O poder legislativo ou deliberativo pertence à Assembleia: esta decide a paz e a guerra, faz alianças, faz leis e revoga-as, decreta a pena de morte, o desterro e o confisco e pede contas aos magistrados.
Na democracia todos são admitidos à deliberação e de todas as formas; estas formas são quatro. Na primeira, em vez de viverem todos em conjunto, vêm por secções e assim sucessivamente; todos participam, cada um por sua vez, nas magistraturas, qualquer que seja o seu nível, até que todos tenham lá passado; é constituída uma assembleia-geral do povo que trata da feitura das leis, da revisão da Constituição e ouve as proclamações dos magistrados. Na segunda deliberam todos em conjunto e em assembleia-geral para eleger magistrados, para legislar, para a paz ou para a guerra, para ouvir as contas e para censurar os responsáveis; tudo o resto fica entregue ao poder e à decisão de magistrados, que podem ser eleitos por sorteio ou por eleição. Na terceira a assembleia-geral dos cidadãos só se efectua para nomear e censurar os magistrados e para a guerra e confederações; tudo o resto é administrado por magistrados eleitos pelo povo. Finalmente na quarta reúne-se para a deliberação sem que os magistrados possam decidir nada, mas somente ser os primeiros a dar a sua opinião.
Todas estas formas de deliberar são democráticas; contudo, há oligarquia quando a deliberação é de todas as formas entregue a alguns.

O poder executivo

As magistraturas são aquelas que tomam parte do poder público para determinar assuntos, com a finalidade de deliberar acerca deles, de os julgar e de os ordenar. O mando é o seu atributo característico. Deve-se criar dois tipos de magistraturas: as magistraturas essenciais (sem as quais um Estado não pode subsistir) e as magistraturas criadas para a boa ordem e para o bem-estar.
O poder executivo cabe ao governo; este deve ter pelo menos quatro cuidados: fazer encontrar nos mercados os víveres necessários (em todas as cidades é indispensável comprar e vender para as respectivas necessidades, pois é o meio mais rápido de procurar o bem-estar), tomar o encargo dos edifícios públicos e privados, mandar executar as leis e propiciar o direito de impor as taxas e de inspeccionar a percepção das mesmas taxas.
Nas grandes cidades não se torna necessário conferir mais do que uma tarefa a cada um (avanço do maior número) devido a grande número de habitantes; também por isto as funções devem executar-se com grandes intervalos ou apenas uma vez na vida. Já nas pequenas cidades a falta de pessoas obriga a conferir várias funções ao mesmo tempo a uma mesma pessoa, desde que não se tratem de funções incompatíveis.
O poder da criação dos magistrados compreende três pontos: a quem deve pertencer a nomeação dos magistrados, donde devem ser recrutados e como se deve proceder. A estes três pontos há três soluções diferentes: a nomeação por todos os cidadãos ou somente por alguns de entre eles, a eleição de uma classe determinada quer pelo rédito quer pelo nascimento/mérito ou qualquer outro atributo e a designação por eleição ou por sorteio.

O poder judicial

A ordem judiciária é o terceiro órgão da Constituição e do governo. Existem oito espécies de juízes: para a prestação de contas e exame da conduta dos magistrados, para tratar dos roubos nas finanças, para tratar dos crimes contra o Estado ou contra a Constituição, para tratar das multas contra as pessoas, para tratar de contratos de qualquer importância, para tratar de assassinatos ou tribunais criminais, para os assuntos estrangeiros e para os pequenos assuntos. Existem duas formas de eleição dos juízes para cada destino que eles ocupem: os juízes para todas as espécies de assuntos são eleitos por eleição ou por sorteio, os para todas as espécies de matérias parte é por eleição e parte é por sorteio e os que são para determinados assuntos também são eleitos ou por eleição ou por sorteio.

terça-feira, 19 de julho de 2011

DAS DIVERSAS FORMAS DE GOVERNO

O governo é o exercício do poder do Estado, que pode estar nas mãos de um só, do menor número ou do maior número, sendo que o objectivo é procurar a felicidade geral.
Existem seis formas de governo, sendo que três delas são a subversão das três puras. Abaixo segue uma tabela com as três formas de governo puras com a cor azul e das três subversões correspondentes a vermelho.

Monarquia
O mando pertence a um só para o bem de todos.
Tirania
Orientada para a utilidade do monarca; um homem sobre o Estado.
Aristocracia
O Mando é confiado a mais do que um.
Oligarquia
Orientada para a utilidade dos ricos; governo dos ricos.
República
A multidão governa para a utilidade pública.
Democracia
Orientada para a utilidade dos pobres; governo dos pobres.
A monarquia

Existem quatro espécies de monarquia. Na primeira o poder do rei não é absoluto, contudo este detém a autoridade suprema sobre o exército e o culto religioso e o título é transmissível aos descendentes pelo facto de guerra; na segunda o poder aproxima-se do despotismo, contudo é legítimo e hereditário e é uma monarquia mais estável e sólida, fundada na lei; a terceira dá pelo nome de Aisimetia (ou despotismo electivo), na qual o poder é conferido pelo povo por tempo indeterminado e não é hereditário nem transmissível; finalmente, a quarta chama-se realeza dos tempos heróicos e é voluntária e hereditária, sendo que os reis são os benfeitores da multidão e superintendem a guerra e a religião.

A aristocracia

A aristocracia é uma magistratura composta por pessoas de bem sem qualquer restrição; o título de bom cidadão é sinónimo de homem honesto.

A república

A república reúne o que há de bom nos dois regimes degenerados, a oligarquia e a democracia; contudo, pode tornar-se numa ponerocracia, ou seja, num governo com más leis. Para que um Estado seja bem orientado, não basta que tenha boas leis se se não tem cuidado com a sua execução. A submissão às leis existentes é a primeira parte duma boa organização; a segunda é o valor intrínseco das leis a que se está submetido.
Valores diferentes distinguem a aristocracia da oligarquia e da democracia: enquanto que na primeira se procura a virtude, na segunda dá-se valor à riqueza e na terceira à liberdade. Nas três as decisões tomam-se pela pluralidade dos votos, ou seja, o que é decidido pelo maior número daqueles que têm a condição de cidadãos adquire forma de lei. Isto caracteriza a verdadeira república. Apesar de, dos seis regimes, serem a oligarquia, a república e a democracia, dois governos subvertidos e um puro, que se regem pela decisão da maioria, entre os três há diferenças substanciais. Pela visualização da tabela abaixo poderemos compreender por que é que de entre os três regimes que dão valor à maioria a república é o melhor.

Oligarquia
República
Democracia
A lei não estipula para os pobres qualquer salário para administrar a justiça.
A lei estipula um salário para os pobres.
A lei estipula um salário para os pobres.
Estabelece penas para os ricos quando estes se recusam a estar presentes nos julgamentos.
Estipula uma multa para os ricos quando estes se recusam a estar presentes num julgamento.
Não impõe nenhuma pena aos ricos quando estes se recusam a estar presentes nos julgamentos.
Admite nas assembleias gerais aqueles que têm grandes rendimentos.
Recebe nas assembleias gerais os de posses modestas e com cultura suficiente.
Admite nas assembleias gerais aqueles que não têm qualquer rendimento ou qualquer cultura.


A tirania

A tirania é o regime subvertido da monarquia. Tem pelo menos três espécies, sendo que em todas os reis detêm o poder absoluto: legítima (a realeza é aceite voluntariamente), tirânica (o poder é exercido como melhor parece aos príncipes) e do homem (isento de toda a responsabilidade ou censura, governado para o seu próprio interesse e governando os seus iguais ou melhores que ele).

A oligarquia

A oligarquia é o regime subvertido da aristocracia. Tem pelo menos quatro formas. A primeira é aquela em que as magistraturas se entregam à fortuna; excluem os pobres (ainda que sejam em maioria), todo aquele que atingiu o nível de fortuna prescrito torna-se apto para as honras, é a lei e não o capricho que domina e prefere-se a dominação da lei à sua própria dominação. A segunda é aquela em que os proprietários estão em maior número, mas mais ricos que no caso precedente; são mais poderosos, mais autoritários, os lugares estão reservados para os mais ricos e estes fazem passar como leis as preferências que têm. Na terceira os lugares são hereditários e na quarta dominam os magistrados e não a lei (aproxima-se da realeza).

A democracia

A democracia difere da oligarquia na medida em que a primeira é o governo das pessoas livres e a segunda é o governo dos ricos. Não há democracia numa nação em que poucos homens livres mandam num maior número de pessoas que o não são. Também não seria uma democracia se os ricos não fossem superiores senão pelo seu número.
Existem pelo menos quatro espécies de democracia. Na primeira os poderes distribuem-se em relação com os bens até uma certa e pequena quantidade, de modo que se admitem todos os que atingem esse nível. Na segunda há direito de sufrágio nas eleições que se realizam na Assembleia; todo aí são admitidos e as leis respeitadas. A terceira admite no governo qualquer pessoa livre; como não apresenta qualquer atractivo para a cobiça, não está sujeita a concorrência perigosa dum grande número de pretendentes, de modo que a lei é aí necessariamente respeitada. Finalmente, a quarta rege-se pela igualdade absoluta: os pobres estão ao nível dos ricos e querem que uns tenham mais direitos que outros no governo, detêm a mesma participação nas vantagens civis e especialmente nos lugares importantes e o povo manda pelo número e o que agrada à maioria torna-se lei; cria-se, assim, um Estado Popular, no qual os pobres mandam, consequentemente desleixam-se no seu trabalho e o Estado fica sob um domínio indigente, pois o povo torna-se tirano e caracterizado por um desprezo pelas leis (e onde as leis não têm força não pode haver república), ataques aos magistrados e um povo que se julga no direito de julgar.